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Douglas Saunders: “A periferia é o novo centro do mundo”

Autor de um livro sobre as favelas, o jornalista canadense diz que elas são celeiros de empreendedorismo e dinamismo. 

por DANILO THOMAZ, da Revista Época

Ao desembarcar no Brasil, o jornalista canadense Douglas Saunders, colunista do diário Globe and Mail, esperava encontrar em nossas favelas um ambiente de extrema violência e depravação. “Eu esperava ver todos aqueles clichês. E realmente vi garotos de 14 anos armados com rifles e pessoas usando drogas no meio da rua”, diz. “Mas também encontrei comunidades preocupadas em melhorar a vida de suas crianças, migrantes que continuam a enviar dinheiro a seus familiares 50 anos depois de saírem da terra natal e dinâmicos microempreendedores.” Explicar as causas e os desdobramentos dessa contradição das periferias é a missão a que Saunders se lança em seu recém-publicado Arrival city: the final migration and our next world(Periferia: a migração final e nosso novo mundo, numa tradução livre, sem previsão de lançamento no Brasil). Fruto de um trabalho de três anos, realizado nas periferias de quatro países – Brasil, China, Turquia e Egito –, o livro afirma que esses espaços e a classe média que emerge deles são o novo centro do mundo.

ENTREVISTA – DOUGLAS SAUNDERS

QUEM É
Douglas Saunders, de 35 anos, é jornalista e colunista de política internacional do jornal canadense Globe and Mail. Nasceu em Hamilton, no Canadá. Casado, é pai de dois filhos e vive em Londres

O QUE FEZ
É autor de Arrival city: the final migration and our next world. Ganhou quatro vezes o National Newspaper, o mais importante prêmio de jornalismo do Canadá. Em 2006, foi considerado o melhor colunista no país

ÉPOCA – O que faz das periferias o novo centro do mundo? 

Douglas Saunders – Até a Segunda Guerra Mundial, 75% do mundo era rural. Anos depois, ele já era metade urbano, metade rural. Ao longo deste século, quase o mundo todo vai atingir o grau de urbanidade dos países da Europa e da América do Norte. Essa transição é difícil e marcada por conflitos. No centro dessa transformação está a periferia. Precisamos entender como fazer com que as periferias funcionem como um instrumento de mobilidade social e como evitar que as barreiras entre periferia e centro prejudiquem as ambições de seus moradores, levando-os a uma espiral de fracasso e violência.
ÉPOCA – Por que você decidiu fazer sua pesquisa no Brasil?
Saunders – 
Eu sabia desde o início que o Brasil teria de ser central no livro. Primeiramente, porque era um dos primeiros países do mundo emergente a ter uma maciça urbanização e forte migração do campo para a cidade. Isso fez com que o Brasil provasse todas as consequências, tanto as boas quanto as más. Além disso, o Brasil e a Turquia são também os dois países que foram governados, na maior parte da década passada, por líderes (Lula e Recep Tayyip Erdogan) cuja história está marcada pela migração do campo para a cidade. As experiências desses dois países oferecem ao mundo a lição mais importante de como lidar com os desafios da urbanização, evitar erros, transformar comunidades fracassadas em comunidades de sucesso e fazer das ondas de migração do campo para a cidade histórias de mobilidade social e sucesso.
ÉPOCA – Por que os empresários deveriam investir nas periferias?
Saunders – 
Um pequeno investimento feito agora, para transformar a favela e integrá-la à cidade e à economia formal, pode significar uma grande economia no futuro. Essa economia se refere a gastos sociais e ao combate ao crime que seriam necessários caso essas comunidades continuassem isoladas e se voltassem para a violência como sua única alternativa. Nós vemos como essas comunidades dão a volta por cima quando esses investimentos são feitos – elas se tornam lugares que pagam impostos, e não apenas que custam dinheiro. Como o Brasil tem aprendido, o sucesso das periferias pode afetar o sucesso da nação inteira.
ÉPOCA – Por que o senhor diz que o Jardim Ângela, bairro da periferia de São Paulo, é um exemplo de comunidade bem-sucedida?
Saunders – 
O Jardim Ângela foi criado nos arredores de São Paulo por migrantes nordestinos na década de 70. Com o colapso da economia nos anos 80, ficou isolado, sem nenhuma forma de assistência do Estado. E as gangues dominaram aquele espaço. Quando a situação melhorou – e eu credito isso especialmente ao governo de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo por causa de seus investimentos em transporte e educação –, muitos dos moradores estavam aptos a se valer das novas oportunidades e começar a empreender, abrir pequenos negócios. O Jardim Ângela ainda é um lugar pobre, com alto índice de desemprego entre os jovens, nível de educação ruim e problemas graves com álcool e drogas. Hoje, porém, é mais próximo de um lugar onde as pessoas têm esperança e batalham para vencer na vida do que um lugar perdido e esquecido.

“Quando se investe nas periferias, elas se tornam lugares
que pagam impostos, e não apenas que custam dinheiro”

ÉPOCA – Por que o empreendedorismo é mais importante que os programas de geração de renda para essas comunidades?
Saunders – 
Quando os migrantes de comunidades como as favelas brasileiras criam pequenos negócios, eles estão investindo no futuro da comunidade. O empreendedorismo conecta a comunidade pobre da perifeira à cidade, por meio do consumo, do intercâmbio cultural, da troca de produtos e do conhecimento. Um empreendedor de sucesso é importante também pela criação de empregos – ele pode empregar outras dez pessoas se seu negócio der certo – e pelo exemplo que dá para as crianças de uma favela. Essas crianças passam a ver uma alternativa além da violência.
ÉPOCA – Como a nova classe média que emerge das periferias contribui para o crescimento da economia?
Saunders – 
Em primeiro lugar, surgem os trabalhadores informais, como os ambulantes. Se esses comerciantes informais são estimulados a prosperar e a entrar na legalidade, formam uma nova classe média, que pode se tornar a força dinâmica e dominante na economia. Nós vemos isso na Turquia. Está começando também a acontecer no Brasil. Esse fenômeno tem dado, além disso, a dinâmica do Norte e do Meio-Leste da África, onde a classe média das periferias entrou em conflito com os setores econômicos protegidos pelos regimes políticos. Esse conflito é o cerne das mudanças ocorridas no Egito e na Tunísia.
ÉPOCA – No Brasil, as pessoas têm acesso ao crédito e a bens de consumo antes que possam contar com serviços públicos de qualidade. Há uma contradição nisso?
Saunders – 
As pessoas vão fazer o que puderem para viver melhor. Em vários lugares do mundo, as pessoas tiveram TV a cabo antes mesmo de ter banheiros e escolas. Isso não deve ser visto como algo ruim: TV a cabo é um sinal de que as pessoas esperam mais da vida, que veem a si mesmas como parte da economia formal. Elas podem gastar uma alta porcentagem de sua renda para ter TV a cabo, mas têm esperança de que seus filhos paguem pouco por isso.
ÉPOCA – De que maneira suas conclusões podem ser úteis na formulação de políticas públicas para as periferias?
Saunders – 
Os governos precisam entender que a migração populacional para os centros urbanos é inevitável e benéfica. A diferença entre essa migração ser um perigo e uma oportunidade depende de como as periferias são tratadas. Já mencionei o Jardim Ângela, integrado à economia formal pela criação de novas linhas de ônibus. No Rio de Janeiro, temos as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), um exemplo importante de reabilitação de uma comunidade. A revolução das UPPs é o entendimento de que não basta fazer uma coisa por vez, mas que o todo deve ser tratado e que devem ser proporcionadas para as favelas condições de segurança e higiene, capacidade de autogestão e conexão à cidade.