Por: Gustavo Chierighini, fundador da Plataforma Brasil Editorial e membro dos conselhos editoriais da DVS Editora e da Revista Criática.
Caro leitor, já se foi o tempo em que abrir mão de uma carreira sólida (em areia movediça, é claro) em uma grande empresa para abrir o próprio negócio causava espanto e estranheza. Quando eu mesmo comecei, vivenciei um pouco desse estado.
Estava lá bem instalado em um banco de investimentos, quando decidi seguir a estrada solo do empreendedorismo. Eu me recordo ainda, como se fosse hoje, dos olhares espantados dos meus colegas de MBA ao escutarem o relato da minha decisão. Valeu a pena.
Naquela época (e calma, não faz tanto tempo assim), a expressão “empreendedorismo” pouco era pronunciada, os cursos de gestão e negócios não abordavam o assunto e pouquíssima literatura dedicada existia à disposição.
Contudo, em meio a tanta carência, existia também a falta de algo que nunca é demais faltar no mundo real: os clichês e conceitos, quase sempre desconectados da realidade, empacotados e anunciados com frases pré-fabricadas, pronunciadas por mestres que muitas vezes jamais empreenderam na vida (ou se empreenderam, invariavelmente colecionaram uma leva de quebradeiras travestidas e explicadas por afirmações do tipo “ah, matamos a primeira hipótese e estamos seguindo a segunda”, como se o ambiente de negócios e o universo legal/fiscal vivenciado pelo empresário brasileiro – esteja instalado em São Paulo, no Rio Grande do Sul ou em Manaus – fosse idêntico ao enfrentado na Califórnia, ou em outros polos e regiões no mundo, que para turbinar a livre iniciativa coloca à disposição ambientes extremamente desburocratizados em uma dinâmica pouco punitiva ao fracasso e irrigada com um sistema de crédito amigável).
Sugiro a conversa com um empresário de verdade (que tenha enfrentado crises, consequências pessoais difíceis por conta do caminho que decidiu escolher e perseverado construindo e colocando cada tijolo para erguer algo sólido), independentemente do porte ou setor de atuação, para questionar se este mundo colorido, leve e engraçadinho existe. Ele vai rir de você.
Então, para encurtar esse assunto e provocar um mergulho na realidade, compartilho abaixo alguns fatos bem reais sobre o mundo empreendedor, que vale a pena sim e pode trazer muita realização e bons lucros, desde que saibamos sonhar e ambicionar sem tirarmos os pés do chão.
Vamos lá:
01. Você não enfrentará menos pressão e uma carga de trabalho mais suave ao se tornar dono da sua própria empresa. Ao contrário, a pressão se multiplicará e sua carga de trabalho será exaustiva;
02. Você terá contato íntimo com a loucura burocrática do Brasil. Isso é chatíssimo e tomará um tempo precioso do seu processo criativo. Para compensar, você terá de contar com os finais de semana ou feriados e eventualmente se acostumará a acordar muito mais cedo do que acordava e encerrar seu dia tarde da noite;
03. Nem sempre seus familiares apoiarão da forma que você necessita, a dedicação que terá de dirigir para o seu projeto/negócio;
04. Você de fato vai ganhar liberdade e autonomia, que pode ser muito prazeroso para alguns, mas muitos sofrem com isso. Junto com esses benefícios vem a solidão. O empreendedorismo é sim uma atividade bastante solitária. Ao final do dia, você e seus sócios precisam tomar decisões difíceis, pagar as contas e arcar com as responsabilidades, enquanto seus funcionários vão descansar tranquilamente;
05. Você terá que ser duro muitas vezes e encarar isso com naturalidade para não sucumbir. Nem sempre você vai conseguir manter a máscara do “líder legal” e parecerá muito mais com o “chefe chato”. Não há como escapar dessa dualidade.
06. Caso seja você um empreendedor precavido e com a cabeça no lugar, sua dinâmica de aquisição de bens materiais, conforto e supérfluos vai se reduzir drasticamente, mesmo que já esteja na fase onde ganha mais dinheiro do que ganhava como empregado. O motivo é simples: o seu contato com a realidade econômica e suas consequências em caso de estresse e insucesso passa a ser tão real, que cada gasto é observado com cautela. E, acredite, isso é muito bom.
07. Não se prenda a padrões e clichês estruturais ou de comportamento na construção do seu negócio. Você não precisa ser nem o “líder legal”, nem “o chefe rabugento”, nem o “oráculo visionário do futuro” ou mesmo ambicionar ter uma sala de convivência com jogos e almofadas colorias e bolas de basquete misturadas com raquetes e mesas de pingue-pongue. Tudo isso pode ser muito legal e realmente divertido, mas não pode se transformar em um propósito em si. No lugar disso, seja você mesmo, desde que muito eficiente, e preocupe-se em contar com uma estrutura funcional e organizada de trabalho. Não perca tempo.
08. Muito do que se lê sobre empreendedorismo passa a impressão a um observador com pouca astúcia de que, “no mundo de hoje”, empreender necessariamente relaciona-se com inovação ou inovação tecnológica. Isso é falso, e você não precisa lidar com tecnologia, com a web ou com a inovação necessariamente dita para se tornar um empreendedor bem sucedido. O mundo não pode prosseguir sem agronegócio, fertilizantes, açougues, hotéis, serviços para pets, serviços domésticos, segurança privada, supermercados, lojas de rua (quase nenhuma ou pouquíssimas operações de e-commerce são rentáveis), restaurantes, bares, casas noturnas, serviços de limpeza e lavanderias, estruturas de escritórios compartilhados, iniciativas culturais, produção de conteúdo, cinema, teatro, consultorias presenciais com empenho de cérebros humanos realmente preparados e privilegiados, etc., etc., etc., etc. E naturalmente tudo aquilo que é intrinsecamente ligado à tecnologia da informação e do processamento. Não se enquadre em modelos. Procure trabalhar com o que você gosta de fazer e diferencie-se seja pela exploração de um nicho de mercado, de uma forma nova ou significativamente melhor de atender e trabalhar, pelo atendimento de necessidades reais, ou simplesmente fazendo melhor aquilo que muitos já fazem há séculos.
09. Dependendo do negócio que pretende montar, você não precisará necessariamente de um investidor, seja um “anjo” ou um venture. Necessitará, sim, de alguma reserva para eventualidades e coberturas. Trate o processo de atração de um investidor de risco com o máximo de maturidade e apenas se for mesmo imprescindível.
10. Acostume-se com o fato de que por mais que adore atuar no setor onde decidiu empreender, muitas vezes (cotidianamente) terá de se dedicar a atividades chatas e desagradáveis. Isso faz parte e talvez seja o antídoto para que não se transforme em um compulsivo pelo trabalho e deseje sustentar uma vida pessoal e afetiva satisfatória e totalmente dissociada da sua empresa. Não abra mão desse equilíbrio.
11. Por último, é importante que se entenda que empreender está mais para um estilo de vida que decidiu viver do que para um passeio no bosque. Exigirá paciência, resiliência, sangue frio e força. Não é para qualquer um e não é nada fácil, mas vale muito a pena.
Até o próximo.