O empreendedorismo de migrantes move a economia -mas, em áreas de metrópoles brasileiras que receberam pessoas de outros Estados até os anos 1980, o crescimento começa a ser visto agora.
Matéria de FELIPE GUTIERREZ publicada originalmente na Folha Online
Quem faz a avaliação é o jornalista canadense Doug Saunders, autor de “Arrival City” (cidade de chegada, em tradução livre, obra que será lançada em breve pela DVS Editora), lançado neste ano nos EUA. O termo cunhado por ele refere-se a regiões, como bairros, que migrantes vindos do interior rural adotaram para viver.
Devido à instabilidade econômica até meados dos anos 1990, pequenos negócios de pessoas que deixaram a cidade natal não nasceram e cresceram na velocidade com que poderiam. Hoje, diz ele, que dedicou dois capítulos do livro ao Brasil, inicia-se nova fase -com novos empreendimentos e formalização.
Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado neste mês mostra que o empreendedorismo foi opção de um quarto dos migrantes que se estabeleceram em São Paulo (veja gráfico na página 2).
Araújo tem duas hipóteses para o percentual de migrantes empreendedores -que, dependendo da origem, passa o de paulistas. Uma é a dificuldade de conseguir emprego formal devido ao preconceito. Outra é a relutância em ter patrão -o que chama de “verve empreendedora”.
Natan da Silva, 48, saiu de Sousa, na Paraíba (a 434 km de João Pessoa), onde plantava milho e feijão, para São Paulo em 1991 e tornou-se empreendedor por falta de opção. “Só queriam [contratar] quem tinha experiência.”
Virou camelô porque “era só colocar a barraca na rua”. Há três anos, tem um estande de produtos eletrônicos.
Já Raimundo Souza Soares, 62, conseguiu emprego ao chegar a São Paulo em 1975, aos 17 anos. Deixou o trabalho de vaqueiro em Rui Barbosa (a 320 km de Salvador) para atuar em frigorífico.
“Comecei a vender comida quando fazia um ‘forrozinho’ em casa e larguei o trabalho.” O evento transformou-se em restaurante, cujo nome leva um prato que produz e seu apelido: Galinhada do Bahia.
Durante décadas, o Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, recebeu migrantes do Nordeste. O distrito demorou a crescer economicamente, mas agora houve mudança de renda, dizem moradores.
“É inegável: o poder de compra aumentou”, diz Maria Adalgisa Pinto, 49, da associação do bairro.
Em 20 anos, o crescimento demográfico foi de 65%. Para Edgar Barki, professor da Fundação Getulio Vargas, “só isso já é relevante”.
Além disso, ele cita redução da inflação, aumento real do salário mínimo e queda do desemprego como mudanças que impactaram a região. “[A área] vive um momento único, de boom”, considera.
Os empreendedores locais aproveitam o bom momento. Um deles é o dono de tapeçaria Antônio Hanenann de Almeida, 40, de Nova Olinda (a 495 km de Fortaleza). No Jardim Ângela há 20 anos, ele afirma recusar trabalho em épocas movimentadas.
Em 1997, os irmãos abriram uma loja, a Macedo’s, no Jardim Ângela. Hoje têm vários pontos na região -o empresário não revela quantos são.
Dois fatores explicam a ascensão, diz Macedo. Um é a diminuição da criminalidade. “Imagine se dizem ‘não vai lá, vão tomar o que você comprou’. Isso já aconteceu, mas hoje não acontece mais.”
Outra melhoria foi a descentralização de serviços bancários, que, até os anos 1990, se concentravam em lugares mais centrais. “Hoje é possível ir a uma agência próxima. Foi importante para o comércio”, avalia Macedo.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) Heliana Vargas explica que as lojas se beneficiam do fluxo de pessoas e aponta que o aumento do número de linhas de ônibus também é positivo para os negócios.
Locais mal servidos de comércio têm preços altos -que tendem a igualar-se aos do restante da cidade com concorrência maior, diz Vargas.
Foi o que aconteceu com a ótica do cearense Francisco Soares, 57. No Jardim Ângela desde os anos 1980, ele teve de mudar preços e estratégia -a impressão de fotografias é hoje o que dá maior receita.