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Seduzido pelo sucesso: o caso General Motors (GM)

DVS, DVS Editora, Blog do Editor, Livros OnlineAs vulnerabilidades resultantes do sucesso podem derrubar pessoas e organizações de qualquer magnitude. Vejamos o que aconteceu com um dos ícones de negócios mais estimados dos Estados Unidos no século 20.

Por Robert J. Herbold.

A General Motors (GM) é uma empresa de 98 anos que roubou a liderança do setor automobilístico da Ford na década de 1920. Na década de 1950, ela se tornou a maior empregadora do mundo e a primeira empresa a faturar $ 1 bilhão de dólares em um ano. Na metade da década de 1970, a GM tinha quase 50% de participação de mercado nos Estados Unidos (EUA). Ela produziu o modelo de automóvel mais vendido nos EUA, o Oldsmobile Cutlass. O ditado favorito sobre a GM naquele tempo era “O país avança conforme avança a GM.”

Os 30 anos seguintes foram de declínio para a GM. No início de 2006, seus problemas financeiros eram alarmantes. A empresa havia perdido $ 8,6 bilhões de dólares no ano anterior e seu valor de mercado estava abaixo de $ 11 bilhões de dólares, aproximadamente igual ao valor de mercado de Sara Lee e dois terços do valor da Electronic Arts, empresa de jogos para computador.

Como podia uma empresa incrivelmente bem-sucedida sofrer três longas décadas de declínio? Apesar de termos lido recentemente muitas histórias sobre os problemas da GM, voltemos ao início do período de 30 anos e vejamos o que estava acontecendo e o que podemos aprender.

GM: as vulnerabilidades começam a aparecer

Muito tempo antes do final da década de 1970 e início da de 1980, custava muito para a GM a fabricação de um carro. Os japoneses, por exemplo, podiam fabricar carros com menos de US$ 1.500 a US$ 2.000, em custos de produção, do que o valor que a GM gastava para fabricar modelos similares em suas fábricas. A GM também teve sérios problemas de qualidade. Em 1983, foi noticiado pelo Consumer Reports que cada modelo da GM por ele vistoriado possuía uma avaliação “pior do que na média” para frequência de conserto.

Em 1983, a revista Fortune noticiou que os japoneses possuíam maneiras totalmente diferentes das da GM para criar alta qualidade e produzir eficiência, pois, quando os engenheiros japoneses começavam a projetar um automóvel, eles trabalhavam em contato com os fornecedores que, posteriormente, proveriam as peças para aquele carro. Dessa forma, eles poderiam verificar quaisquer restrições ou necessidades que aqueles fornecedores teriam de levar em conta enquanto projetavam o automóvel. Em suma, eles estavam descartando diversos problemas antes mesmo que ocorressem.

Esse era um difícil contraste com o modo de a GM conduzir o negócio. Certamente, a empresa projetaria o automóvel e o deixaria pronto para ser lançado para, então, encomendar de seus fornecedores os componentes para aquele carro. Assim, era tarde demais para rever qualquer argumento levantado pelos fornecedores ou para incorporar qualquer sugestão que pudessem dar a fim de tornar tudo menos caro e mais fácil de ser produzido.

As práticas japonesas descritas eram de conhecimento geral e o pessoal da GM e suas práticas herdadas impossibilitavam a empresa de adotar a abordagem japonesa. Apesar de a GM ter alegado, no início da década de 1980, que estava trabalhando duro para aprimorar suas capacidades de produção, era claro que a empresa estava apegada ao passado. Naquela época, um executivo da GM comentou que a maioria dos gestores da empresa nunca compreendeu realmente a necessidade de mudar seus antigos modos de gerir. O comentário de um jornalista naquele tempo foi: “A confiança excessiva morre depressa, especialmente em uma organização tão conservadora como a GM.”

GM: o declínio ganha força

Por volta de 1986, os problemas da GM estavam começando a afetar seus negócios seriamente. Sua participação de mercado nos EUA havia caído de 48% em 1980 para 41% em agosto de 1986. Enquanto a Ford e a Chrysler estavam tentando se manter, os importados, especialmente os do Japão, estavam ganhando participação de mercado.

Anne Fisher, da Fortune, resumiu a situação em 1986 ao observar que “o maior obstáculo da GM pode ser seu estilo monótono. Com raríssimas exceções, os carros da empresa não são inovadores.” Ron Glantz, na época guarda da GM por meio da Montgomery Securities, disse: “a enorme burocracia da GM – níveis sobre níveis de gestores, departamentos e comitês – teve de aprovar, reaprovar e aprovar de maneira cruzada as divisões de automóveis a cada mudança.” Até mesmo seu pessoal estava criticando a empresa. O CFO (chief financial officer) Alan Smith foi notado naquela época quando disse que “com os 40 bilhões de dólares que a GM investiu em fábricas e equipamentos, a empresa poderia ter comprado a Toyota e a Nissan. Em vez disso, perdeu participação de mercado. Algo está obviamente errado.” A pessoa encarregada do Buick-Oldsmobile-Cadillac na época disse que o maior impedimento para mudanças na General Motors poderia ser resumido em uma palavra: “história”.

GM: sérios problemas de projeto, custos e mão-de-obra

Por volta de 1989, a participação de mercado da GM caiu de 41% em 1986 para 36%. O problema central durante este período era o fato de os carros fabricados pela GM estarem cada vez mais parecidos. O consultor financeiro, John Schnapp, disse, naquela época, que “a diferenciação que havia nos gloriosos dias da GM tinha desaparecido virtualmente”. Seis décadas antes, Alfred P. Sloan dirigiu a criação de Chevrolet, Pontiac, Oldsmobile, Buick e Cadillac, que representavam progressivamente os degraus mais altos da escada econômica da vida. Passo a passo, a GM desmantelou essa diferenciação, fazendo com que todos os modelos subcompactos de Chevrolet, Pontiac, Buick e Oldsmobile, que estavam no mercado, fossem desenvolvidos em um mesmo chassi, com os mesmos componentes mecânicos. Consequentemente, essa abordagem também foi utilizada para o Cadillac. Ainda que isso desse certa flexibilidade à fabricação, fez com que os carros se parecessem bastante e, o mais importante, o mecanismo de engrenagem era exatamente igual. Como Alex Taylor, da Fortune, afirmou em seu resumo sobre essa situação, “Em vez de desenvolver carros exclusivos para os clientes do Buick, seus engenheiros gastam tempo para diminuir as alterações no equipamento e para manejar qualidades em uma plataforma que também é utilizada pela Chevrolet.”

Em 1992, Taylor resumiu a condição da empresa: “A GM deve se reestruturar radicalmente se quiser sobreviver.” O ano fiscal que havia terminado viu a GM perder em média US$ 1.500,00 em cada veículo produzido na América do Norte. Sua participação de mercado continuou caindo e era óbvio que o antigo modelo de Sloan estava com sérios problemas. As vendas do Oldsmobile despencaram de mais de 1 milhão de veículos em 1983 para pouco mais de 400.000 em 1991.

No início da década de 1990, muitas fábricas da GM geravam grandes déficits porque funcionavam com apenas 50% da sua capacidade. Infelizmente, antes de 1990, o CEO da GM havia feito um acordo de três anos com a United Auto Workers (UAW), o qual exigia que a empresa pagasse a seus mais de 300.000 operários da produção mesmo se eles ficassem temporariamente parados devido à vagarosa demanda por automóveis. Esse comportamento existe ainda hoje, visto que a GM possui bancos de emprego com milhares de funcionários inativos.


A GM avançou às cegas, produzindo automóveis nada empolgantes e assinando contratos sindicalizados que eram um suicídio econômico à sua extensa jornada.

Os contratos com a UAW também estabeleceram um plano de pensão de benefícios definida que exigia que a GM pagasse funcionários aposentados para o resto da vida. As fabricantes de automóveis japonesas utilizaram planos de contribuição definida, em que as contribuições eram computadas para a aposentadoria de um funcionário enquanto ele estivesse trabalhando e o saldo lhe era entregue quando ele se aposentasse, protegendo a empresa de grandes dívidas relativas a pensões.

Durante toda a década de 1980, a Toyota desenvolveu inúmeras facilidades de produção de automóveis nos EUA e, conforme notado pela Reuters, essas facilidades tinham “operações de produção mais eficientes, custo-benefício mais baixo e força de trabalho não sindicalizada.” Na década de 1980 e no início da de 1990, todos sabiam que os contratos de trabalho da GM eram um grande problema para a empresa, mas mesmo assim ela os assinava. Por que a GM não observou o modelo superior dos japoneses e fez as dolorosas, mas necessárias, mudanças? Ela estava estagnada em suas práticas herdadas.

A GM não estava apenas ignorando as práticas de trabalho mais flexíveis e eficientes dos japoneses, mas também o que empresas como a Caterpillar estavam fazendo, isto é, abandonando os contratos ferinos da UAW e aderindo ao estilo japonês de produção. Antes de 1984, Jim Owens, CFO da Caterpillar, que posteriormente se tornou CEO, relembrou: “Os japoneses estavam nos matando.” Os contratos sindicalizados deram mínima flexibilidade à Caterpillar para lidar com os altos e baixos naturais do setor. Conforme explicado por Joann Muller, da Forbes, “A Caterpillar começou a expandir suas bases de produção em regiões não sindicalizadas do sudeste dos EUA, construindo 20 fábricas menores, mais especializadas, com mão-de-obra mais barata” e benefícios flexíveis.

Naturalmente, essas novas facilidades da Caterpillar perturbaram muito a UAW. O ponto de vista de Owen naquele momento era: “Bom, nós podemos nos restabelecer agora.” Anos agitados de trabalho se seguiram, mas o resultado final foram novos contratos para as fábricas remanescentes da Caterpillar, os quais atingiram uma taxa salarial 42% mais baixa para novas contratações, limitaram custos para assistência à saúde de aposentados, estabeleceram a participação dos funcionários no custo de assistência médica e deram à empresa a habilidade de identificar mais de 15% de sua força de trabalho como “suplementar”, limitados a receber 30% a menos de salário e benefícios reduzidos. Agora, voltando à GM, a pergunta óbvia é: por que a empresa não tomou a aprendizagem da Caterpillar como exemplo e a colocou em prática no final da década de 1980?

GM: os fragmentos da empresa

No início e na metade da década de 1990, a GM era uma empresa fragmentada, cujas práticas herdadas estavam no comando. Recursos funcionais como marketing, engenharia, recursos humanos e planejamento existiam em cada divisão, sem coordenação cruzada entre uma e outra, fazendo com que a empresa sofresse de carência de liderança total nessas áreas. Uma análise mostrou que menos de 0,1% dos funcionários estava livre em relação ao seu desempenho e ninguém estava realmente tentando resolver os problemas. Na verdade, um memorando da GM na época disse: “Nossa cultura desencoraja o debate franco e aberto. O pessoal da GM percebe que a direção não recebe bem as más notícias.”

No início de 1997, a participação de mercado da GM baixou para 30%. Os mesmos problemas continuavam devastando os negócios da empresa. Conforme coloca Alex Taylor: “Na falta de unidade e direção, as divisões se tornaram vítimas fáceis de poderosas clientelas: fornecedores, revendedores e sindicatos.” A empresa funcionava sem nenhum tipo de liderança centralizada de produção, compra, processamento de dados, publicidade ou pesquisa de mercado.

Essa falta de disciplina atingiu a maioria do pessoal da área de produção. A GM permitiu, por exemplo, que cada uma de suas divisões de caminhões e carros fizesse sua própria estampa de chapas de metal, o que significou que cada divisão comprou seu próprio sistema de prensa e, conseqüentemente, esses sistemas muito caros operaram menos de 50% de sua capacidade, visto que estavam suprindo as necessidades de apenas uma divisão.

GM: a esperança parece perdida

Por volta do ano 2000, a GM continuava perdendo participação de mercado e, como Susan Jacobs, presidente de uma empresa de consultoria automotiva, disse: “Há falta de realismo na GM sobre o potencial da empresa em um mercado superlotado.” A Fortune descreveu um problema central em sua edição de 21 de fevereiro de 2000 quando observou: “Poucos de seus produtos animam quem tem menos de 60 anos. Ela é praticamente uma prisioneira de seus sindicatos. Há competição mais ágil e criativa em Detroit (Ford, DaimlerChrysler) e do outro lado do Pacífico (Toyota, Honda). Apesar da constante reorganização durante a década passada, ela permanece complexa, burocrática e altamente política.”

Na segunda metade de 2005, 30 anos após o início dessa longa e consistente queda, a participação de mercado da GM obteve um recorde de baixa para esse período: 22%. Embora a GM estivesse esperançosa quanto a seus novos modelos para o final de 2004, o Pontiac G6, o Buick LaCrosse e o Chevrolet Cobalt, eles foram incapazes de frear a longa, porém consistente, descida. Conforme disse Alex Taylor ao descrever esses modelos: “Eles mostraram ser pouco arrojados para empolgar os clientes.”

Ao refletir sobre a participação de mercado da GM é importante entender que, por volta de 2005, a empresa dependia muito de vendas efetuadas para agências locadoras de automóveis e para seus próprios funcionários e respectivas famílias. Esses clientes representavam um terço de todas as vendas da empresa. Contudo, foi a menor margem de vendas que a GM alcançou.

Outro problema da GM foi a grande demora para redesenhar seus modelos. A empresa demorou nove anos para substituir o Chevrolet Cavalier por seu modelo atualizado, o Cobalt. Em compensação, o Honda Civic era completamente reprojetado a cada quatro ou cinco anos. Nos EUA, a GM também sofre pelo fato de ter muitas marcas (oito: Chevrolet, Pontiac, Buick, Cadillac, Saab, GMC, Saturn e Hummer) em comparação à Toyota (três: Toyota, Lexus e Scion) e muitos revendedores (7.500 em relação a 1.422 da Toyota). Esses 7.500 revendedores da GM vendem em média 587 carros por ano, enquanto os da Toyota vendem por volta de 1.617.

Para ter uma idéia de toda confusão e dos ajustes que estavam sendo efetuados na General Motors, David Welch providenciou um artigo na BusinessWeek a fim de mostrar o que realmente estava acontecendo. Quando a GM decidiu desenvolver o modelo mais compacto do Hummer H3, sua intenção era que ele tivesse a mesma postura liberal e agressiva que o grande Hummer tinha para alcançar o sucesso. Contudo, para tornar o H3 mais efetivo em relação ao custo, a GM decidiu que os designers utilizariam a plataforma reduzida na qual as pequenas caminhonetes eram desenvolvidas. Essa decisão fez com que a empresa poupasse alguns dólares referentes à engenharia e se adaptasse às linhas de produção de caminhonetes, mas fez com que o Hummer H3 fosse um desastre. Os engenheiros não puderam, como queriam, utilizar o popular motor I-6 no Hummer e, dessa forma, o carro não ficou possante. Em suma, as pessoas estavam comprando uma caminhonete que tinha a cara de um Hummer. Para grande parte dos consumidores, um test drive revelava isso e acabava com seu entusiasmo.

Durante 30 anos, a GM assistiu à chegada das empresas automobilísticas japonesas aos EUA e o desenvolvimento de fábricas não sindicalizadas, nas quais foram fabricados carros diferenciados com qualidade mundial e eficiência pioneira para o setor. Ao longo dessas décadas, a GM nunca lutou contra os grandes limites enraizados na empresa por seus rígidos pensamentos e práticas herdados. Além de produzir modelos descritos como “não arrojados o suficiente para atrair os consumidores”, a inércia da empresa com relação à frente de trabalho a estava matando. Em 2005, havia quase 700.000 aposentados e seus respectivos dependentes, os quais contavam com a GM para receber pensões e assistência médica. Os gastos com pensão e assistência médica chegaram a quase US$ 2.200 para cada veículo que a GM fabricava e foram o motivo pelo qual a empresa perdeu US$ 1.227 para cada veículo que vendia na América do Norte. Ano após ano, década após década, a GM avançou às cegas, produzindo automóveis nada empolgantes e assinando contratos sindicalizados que eram um suicídio econômico à sua extensa jornada. Ela foi aprisionada por suas práticas herdadas.

Como as grandes empresas sobrevivem às 9 armadilhas do sucesso
Não deixe o sucesso colocar sua empresa no caminho da ruína
Em Seduzido pelo Sucesso, Robert J. Herbold, o ex-COO (chief operating officer) da Microsoft, mostra como evitar as nove armadilhas do sucesso – as “práticas herdadas” que quase derrubaram grandes empresas como General Motors, Kodak e Sony. Herbold, que passou 26 anos na Procter & Gamble e sobreviveu a cada uma dessas armadilhas, fornece táticas comprovadas para prevenir a arrogância, o gerenciamento excessivo e a negligência enquanto suas realizações estão sendo capitalizadas, sua força está sendo sustentada e sua posição no mercado está sendo mantida.
As nove armadilhas que toda empresa bem-sucedida deve evitar são:
· Negligência: manter um modelo de negócios antigo.
· Orgulho: permitir que seus produtos se tornem obsoletos.
· Tédio: ser fiel a uma marca bem-sucedida que se tornou antiquada e insípida.
· Complexidade: ignorar seus processos de negócios.
· Gerenciamento excessivo: racionalizar sua perda de velocidade e agilidade.
· Mediocridade: permitir que seus melhores funcionários percam o vigor.
· Apatia: envolver-se em uma cultura do conforto.
· Timidez: não enfrentar conflitos e obstrucionistas.
· Confusão: conduzir a comunicação de maneira esquizofrênica.
Sobre o autor:
Robert J. Herbold foi contratado por Bill Gates para ser COO da Microsoft Corporation. Durante os sete anos em que exerceu essa função, de 1994 a 2001, a Microsoft quadruplicou os seus rendimentos e os lucros aumentaram sete vezes. Antes da Microsoft, Herbold passou 26 anos na Procter & Gamble Company, e nos últimos cinco anos exerceu o cargo de vice-presidente sênior de marketing. Atualmente, Herbold é o diretor do Herbold Group, LLC. Ele também é executivo sênior na INSEAD, em Cingapura, um dos membros do Conselho de Ciência e Tecnologia do presidente Bush e diretor de diversos conselhos corporativos.

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