Por: Gustavo Chierighini, fundador da Plataforma Brasil Editorial e membro do conselho editorial da DVS Editora.
Caro leitor, por favor, desta vez faço o convite para deixarmos o ceticismo um pouco de lado, trancarmos a descrença na gaveta e iniciarmos uma breve viagem que não vai durar mais do que o período que esta leitura consumirá. Confesso que eu mesmo, que sempre prego o ceticismo saudável, precisei empregar um esforço e tanto para abordar esta temática num tom tão esperançoso. Portanto, caso desista da leitura por aqui, bem, você já esta perdoado de largada. Aos que decidiram prosseguir, prometo não exagerar na dose e limitar a minha esperança na simples afirmativa de que sim, somos detentores de todos os ingredientes para deixarmos a modorrenta realidade dos emergentes, e independentes de agremiações virtuais, criadas por analistas profissionais de bancos de investimentos norte americanos tais como “Brics” ou a mais recente “Frágeis”. Contudo, existem amarras capazes de manter o “Gigante Adormecido” se não dormindo, ao mesmo imobilizado para sempre.
Os ingredientes
Trata-se aqui de um caldo complexo que vai da nossa posição geopolítica privilegiada ao fato de que somos hoje talvez um dos poucos membros do grupo de países emergentes dotados de uma democracia consolidada e cada vez mais blindada para aventuras deteriorantes (neste particular, na América Latina, praticamente nos tornamos uma exceção – bolivarianos de plantão, por favor, sem agressões). Entre estes dois pontos um conjunto complexo envolvendo: extensão territorial, inexistência de movimentos separatistas que fragilizem a nossa consolidação nacional; alto percentual de solo fértil; recursos minerais abundantes; diversificação industrial com crescente descentralização regional; ampla abertura marítima, alto potencial para a multiplicação de opções da nossa matriz energética, alguns bons (são poucos e não são excepcionais) centros de excelência em formação técnica e científica. Convenhamos, não é pouco.
As amarras
Alguns saudáveis detratores acusam que é justamente na constatação cômoda de nossa opulência e na resultante diluição do senso de urgência trazida por ela, que reside a origem das nossas conhecidas mazelas econômico-sociais. Sem entrar no mérito da sentença, é impossível não observar nisso uma certa lógica. Afinal de contas é fato que a adversidade e a carência funcionam, a partir de uma observação real e darwiniana, como mola propulsora para a energia criativa e a construção de modelos econômicos eficientes e sólidos. É verdade que o mundo está repleto de exemplos assim.
Mas a forma como reagimos a nossa abundância não está sozinha e a ela se juntam um conjunto de outros elos que fortalecem decisivamente as correntes que nos prendem. Podemos começar pelo peso excessivo do estado e sua ineficiência microeconômica, alimentado pela robusta carga tributária com a qual perversamente estamos nos acostumando (com mínima percepção de retorno do investimento – tributos pagos – em serviços públicos), passando pela excessiva regulação com regras pouco claras e massacrante burocracia (em muitas cidades brasileiras, o simples e banal ato de alterar o endereço de uma empresa pode levar até noventa dias), e fechando a chave de aço com as complicações que desaguam na escassez de investimentos em infraestrutura e na incipiente formação de mão-de-obra especializada.
Para encerrar, depois desta exposição pretenciosa de componentes contra e a favor, o que fica é a necessidade premente de uma alteração vigorosa de mentalidade. Jamais olharemos as outras nações emergentes pelo retrovisor, desprovidos de uma classe produtiva organizada (o agronegócio é uma exceção neste aspecto), onde o empresariado assiste passivamente e sem acessar o direito ao contraditório ser estigmatizado culturalmente e massacrado pela desorganização das regras a seguir. Jamais atingiremos o patamar de excelência desejado e vigente em países ícones de eficiência e capacidade, flexibilizando o senso de efetividade, onde a “criatividade” sempre ofusca a disciplina e o rigor com cronogramas, compromissos e procedimentos. Nunca iremos muito longe, nos permitindo, histórica e recorrentemente, embriagar de ufanismo sempre provocado por momentos de excepcionais oportunidades nos ciclos econômicos nos fazendo aliviar a pressão e deixar o dever de cada para depois.
Não vejo escapatória, ou ativamos o nosso senso crítico e avançamos pelo árduo caminho dos enfrentamentos, ou patinaremos, repetindo como se fosse um mantra da frustação disfarçada, de geração para geração, sobre o grande potencial do Brasil.
Até o próximo