Por: Gustavo Chierighini, fundador da Plataforma Brasil Editorial e membro do conselho editorial da DVS Editora.
Caros leitores, iniciarei este texto tentando transcrever o breve diálogo que presenciei na qualidade de abelhudo observador, travada entre um diretor de respeitável empresa de imenso porte e seu subordinado executivo, ocorrida em um seminário, precisamente no espaço reservado a venda de livros instalado na saída do evento.
Diretor: Leia este livro, é de fácil leitura, não exige muito raciocínio e não chateia se aprofundando demais no assunto.
Executivo: Legal, vou ler sim, também não gosto de leituras muito complicadas que ficam questionando tudo o tempo todo.
Diretor: Sem dúvida, essa coisa de ficar questionando as coisas não resolve nada, não paga as contas e ainda faz perder um tempo precioso.
O fato ocorreu poucos dias antes da data na qual eu deveria preparar este artigo para publicação, e naquele momento ainda estava em dúvida sobre qual assunto abordar, mas a conversa que escutei eliminou qualquer dilema. Não, não vou revelar nenhuma outra informação sobre a empresa na qual trabalham os meus observados e nem mesmo o título do livro, seria injusto com a empresa e com a editora.
Naquele momento o que me chamou a atenção não foi o livro em si, mas antes a recusa compartilhada entre os dois interlocutores diante de “leituras complicadas”, e ainda pior, a comum aversão aos questionamentos. Claro, alguém afirmaria – não totalmente desprovido de razão – que o que presenciei pode simplesmente representar uma exceção, ou ainda concluir que se trata de uma amostragem muito pequena portanto pouco relevante de uma cultura corporativa.
Entendo isso muito bem, e na verdade torço para estar equivocado, mas na modesta opinião deste que vos escreve, sim, aquilo representa uma cultura, um estilo comportamental corporativo, que se não gradativamente dominante, ao menos crescente. Ano após ano, evento após evento. Seria esta a regra? Penso que não, mas seus adeptos aparentemente não param de crescer.
São os adeptos do superficialismo corporativo, da perfumaria da gestão. Algo útil em um universo que embora (em muitos casos, mas felizmente com muitas exceções) afirme que a criatividade e a participação fazem os negócios crescerem e que colaboradores críticos contribuem muito para o jogo competitivo, na vida como ela é (obrigado Nelson Rodrigues), detestam lidar com a insolência crítica, e odeiam “perder tempo” em embates intelectuais, pois muitas vezes encaram estas atitudes como freios a produtividade e aos resultados.
Um fenômeno onde o exercício da retórica do “politicamente correto corporativo” uma vez bem praticado nos discursos e nas apresentações em “Power Point”, acabam por garantir salvo conduto para a sua não efetivação concreta na vida real “na vida como ela é”. A velha profecia do “quanto mais se afirma menos se faz”.
O resultado disso não fica só na aparente tranquilidade da inexistência de conflitos de pensamentos ou posicionamentos, mas na falta deles, pois uma equipe que não é levada a raciocinar, criticar , conflitar criativamente e quebrar a cabeça com pouco ou nada pode competir.
Cria-se com isso um ambiente intelectualmente infértil, com eunucos intelectuais reproduzindo modelos copiados, abusando dos eternos “lugares comuns corporativos” em busca da aprovação constante do sistema e de sua empregabilidade imediata, empobrecendo a empresa, os negócios, mas deixando o caminho livre para aqueles que vão além do blá, blá, blá e do bobajal cotidiano, cobrando, com rigor, a presença da inteligência que seus colaboradores prometeram disponibilizar durante os processos de seleção.
Portanto, caros leitores, cinco vivas para as leituras complicadas, densas, que colocam os nossos cérebros a prova, e preferencialmente na lona. A adversidade fortalece, disso não podemos esquecer.
Boas leituras e até o próximo.