O empreendedorismo de migrantes move a economia -mas, em áreas de metrópoles brasileiras que receberam pessoas de outros Estados até os anos 1980, o crescimento começa a ser visto agora.
Matéria de FELIPE GUTIERREZ publicada originalmente na Folha Online
Quem faz a avaliação é o jornalista canadense Doug Saunders, autor de “Arrival City” (cidade de chegada, em tradução livre, obra que será lançada em breve pela DVS Editora), lançado neste ano nos EUA. O termo cunhado por ele refere-se a regiões, como bairros, que migrantes vindos do interior rural adotaram para viver.
Devido à instabilidade econômica até meados dos anos 1990, pequenos negócios de pessoas que deixaram a cidade natal não nasceram e cresceram na velocidade com que poderiam. Hoje, diz ele, que dedicou dois capítulos do livro ao Brasil, inicia-se nova fase -com novos empreendimentos e formalização.
Estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado neste mês mostra que o empreendedorismo foi opção de um quarto dos migrantes que se estabeleceram em São Paulo (veja gráfico na página 2).
Entre cearenses, por exemplo, 4,3% são empregadores e 22,7% trabalham por conta própria, o que inclui “desde quem vende bala no sinal até consultor”, diz o pesquisador Herton Araújo, do Ipea.
Araújo tem duas hipóteses para o percentual de migrantes empreendedores -que, dependendo da origem, passa o de paulistas. Uma é a dificuldade de conseguir emprego formal devido ao preconceito. Outra é a relutância em ter patrão -o que chama de “verve empreendedora”.
Natan da Silva, 48, saiu de Sousa, na Paraíba (a 434 km de João Pessoa), onde plantava milho e feijão, para São Paulo em 1991 e tornou-se empreendedor por falta de opção. “Só queriam [contratar] quem tinha experiência.”
Virou camelô porque “era só colocar a barraca na rua”. Há três anos, tem um estande de produtos eletrônicos.
Já Raimundo Souza Soares, 62, conseguiu emprego ao chegar a São Paulo em 1975, aos 17 anos. Deixou o trabalho de vaqueiro em Rui Barbosa (a 320 km de Salvador) para atuar em frigorífico.
“Comecei a vender comida quando fazia um ‘forrozinho’ em casa e larguei o trabalho.” O evento transformou-se em restaurante, cujo nome leva um prato que produz e seu apelido: Galinhada do Bahia.
Durante décadas, o Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, recebeu migrantes do Nordeste. O distrito demorou a crescer economicamente, mas agora houve mudança de renda, dizem moradores.
“É inegável: o poder de compra aumentou”, diz Maria Adalgisa Pinto, 49, da associação do bairro.
Em 20 anos, o crescimento demográfico foi de 65%. Para Edgar Barki, professor da Fundação Getulio Vargas, “só isso já é relevante”.
Além disso, ele cita redução da inflação, aumento real do salário mínimo e queda do desemprego como mudanças que impactaram a região. “[A área] vive um momento único, de boom”, considera.
Os empreendedores locais aproveitam o bom momento. Um deles é o dono de tapeçaria Antônio Hanenann de Almeida, 40, de Nova Olinda (a 495 km de Fortaleza). No Jardim Ângela há 20 anos, ele afirma recusar trabalho em épocas movimentadas.
O cearense Evandro Macedo, 41, também diz ver melhora nos negócios do local. Caçula de oito filhos de uma família de Independência (a 306 km de Fortaleza), chegou a São Paulo aos 12 anos.
Em 1997, os irmãos abriram uma loja, a Macedo’s, no Jardim Ângela. Hoje têm vários pontos na região -o empresário não revela quantos são.
Dois fatores explicam a ascensão, diz Macedo. Um é a diminuição da criminalidade. “Imagine se dizem ‘não vai lá, vão tomar o que você comprou’. Isso já aconteceu, mas hoje não acontece mais.”
Outra melhoria foi a descentralização de serviços bancários, que, até os anos 1990, se concentravam em lugares mais centrais. “Hoje é possível ir a uma agência próxima. Foi importante para o comércio”, avalia Macedo.
A professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (Universidade de São Paulo) Heliana Vargas explica que as lojas se beneficiam do fluxo de pessoas e aponta que o aumento do número de linhas de ônibus também é positivo para os negócios.
Locais mal servidos de comércio têm preços altos -que tendem a igualar-se aos do restante da cidade com concorrência maior, diz Vargas.
Foi o que aconteceu com a ótica do cearense Francisco Soares, 57. No Jardim Ângela desde os anos 1980, ele teve de mudar preços e estratégia -a impressão de fotografias é hoje o que dá maior receita.